Carta de Cabo Verde
Uma primeira lição recebi-a aqui em 1982, pela boca do então Ministro dos Transportes, Comandante Herculano Vieira. Um relatório que produzi mostrava o sucesso de Cabo Verde em relação à África do Oeste; ele gostou, que sim, que estava bem, mas porque não comparar Cabo Verde com a Islândia? Numa altura em que a globalização era ainda um vocábulo por inventar, ele já sabia que não chega ser melhor do que o vizinho. Se o país quer transformar eventuais vantagens comparativas em vantagens competitivas, tem de ser tão bom como os melhores. E é essa a principal imagem de marca de Cabo Verde.
Desde há 10 anos passei a integrar a equipa do Banco Mundial que faz o acompanhamento dos projectos de transportes e infraestruturas apoiados por aquela agência das Nações Unidas. Cabo Verde é hoje, para o BM, um caso de sucesso. O país soube conquistar o respeito do Banco devido à sua capacidade de definir estratégias, de saber discutir com técnicos internacionais por vezes viciados em procedimentos estandardizados e com falta de visão das especificidades do país onde operam, de gerir fundos de forma responsável. Soube ir transformando financiamentos em criação de postos de trabalho e em estruturas para o desenvolvimento. Cabo Verde é, presentemente, um dos países com maior apoio per capita do Banco Mundial, tendo-se transformado em verdadeira montra de exposição sobre o que os fundos da comunidade mundial podem fazer pelo desenvolvimento quando bem usados. Com o apoio do Banco foram feitas estradas, portos e aeroportos e, pelo menos tão importante como tudo o mais, foi criada uma estrutura de governância invejável, mesmo em relação a alguns padrões europeus. O Instituto de Estradas e o Fundo de Manutenção Rodoviária são um “case study” inspirador para muitos países. O desenvolvimento das telecomunicações e das tecnologias de informação são outros exemplos de sucesso. Em paralelo, o Estado de Direito foi-se consolidando, revendo profundamente todo o quadro legal e o sistema judicial, o que vem permitindo avançar para uma sociedade onde o crescimento da complexidade, que arrasta o aumento da conflitualidade, tem como expressão o primado da justiça.
Não é nada fácil assegurar o desenvolvimento económico e social num país arquipelágico. Nove ilhas habitadas exigem pelo menos 9 portos, nove aeroportos e uma dotação de estradas desproporcional. Do lado da energia, como disse alguém, se ela é um problema em qualquer país sem petróleo, numa ilha ela é um drama e num arquipélago é uma tragédia: são necessários recursos fabulosos para fazer chegar as infraestruturas económicas a toda a população dispersa e os critérios de avaliação económica usualmente utilizados falham redondamente. Como justificar economicamente um porto de 20 ou 30 milhões de dólares numa ilha de 5 mil habitantes?
Por outro lado, o próprio sucesso do país traduz-se em dificuldades financeiras acrescidas. O mecanismo é este: enquanto país muito pobre, tem acesso a financiamento concessional, isto é, com condições muito abaixo das prevalecentes no mercado. À medida que o nível de vida vai subindo – hoje o produto por habitante já ultrapassa a barreira dos 2.000 dólares por ano – os financiamentos concessionais vão desaparecendo e há que enfrentar mais serviço da dívida para o mesmo volume de recursos obtidos no mercado mundial. Esta é uma das contradições do sistema que acaba por premiar os menos eficientes.
De há uns anos a esta parte o turismo vem-se afirmando como o sector mais dinâmico da economia. Os investimentos internacionais têm-se sucedido, mudando rapidamente a face do país, mas criando também novos desafios. A energia e a água são talvez dos mais importantes: sem provisão abundante e fiável de energia e água não há turismo possível.
Este é um desafio que o país tem, portanto, de enfrentar. Com o crude a rondar os $70 por barril, quase quatro vezes superior ao preço de há pouco tempo, acabou-se a energia barata. O preço da electricidade, que aqui tem como fonte primária quase exclusiva o petróleo, não pode, por isso, ser baixo e a redução da factura energética só poderá ser conseguida através de políticas activas que promovam a utilização racional da energia (URE) e o recurso a outras fontes energéticas independentes do petróleo. Sol, vento, ondas do mar e geotermia estão por aqui ainda muito subaproveitados. Por isso me parece que esta deverá constituir uma área prioritária para a inovação e desenvolvimento do país.
As empresas portuguesas em África
(Carlos Correia da Fonseca - Coluna do Director no Jornal Transportes Públicos, Mobilidade Inteligente, nº 7, Março 2007)