sábado, 10 de maio de 2008

Água

Num destes dias um vizinho lembrou-me que o valor da peça que avariou no dessalinizador da Electra trazendo pela milésima vez o drama do abastecimento de água potável à cidade da Praia, dava para ele viver bem o resto da vida sem trabalhar.
Talvez. Os pobres também têm ideias engraçadas.
A tal peça é determinante, feita em Israel e por isso carregada de simbolismo, muito para além da sua importância técnica.
Simboliza o feito de se poder viver nas condições mais adversas e simboliza o desprezo pela criatividade e pela resolução dos problemas que confrontam a sobrevivência.
Se no primeiro caso simboliza a cultura de um admirável povo, no segundo simboliza a admirável displicência dum povo que apenas usufrui da utilidade de haver outros povos que pensam.
Em Israel chove… quero dizer, não chove nada. Em Cabo Verde cai do céu, religiosamente todos os anos, milhões de litros de água.
A chuva vem aí, mais mês menos mês, outra vez este ano. Como sempre, há milhares de anos. Ciclicamente, com intervalos de poucos anos, chove menos e então chamamos esses períodos de “seca”. E esses períodos são os que consideramos importantes.
São esses períodos que inspiram poetas, cantores e políticos, e não os outros períodos.
É com base nesses raros ciclos que se mendiga a ajuda internacional com o hilariante argumento da falta de recursos.
Nos outros períodos, nos que tomba água a rodos, que são a maioria, rezamos para que a água não arraste casas e pessoas.
Nunca por nunca os que orgulhosamente amam esta terra, estas ilhas afortunadas, se lembram de guardar a água que desaba do céu.
O valor da tal peça pode de facto tornar uma pessoa podre de rica. Mas a água que o céu despejada todos os anos sobre Cabo Verde poderia fazer deste país um país mais rico e independente. As próximas gerações serão sem dúvida mais inteligentes e eficientes. A minha geração é pobre, sem ideias e ociosa.

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