domingo, 15 de março de 2009

Desafio.

Foi a ideia com que fiquei desta corrida política de José Sócrates em Cabo Verde. E se dúvidas tinha, elas dissiparam-se ontem no encontro com a pobre e até um pouco saloia mas representativa comunidade portuguesa a que pretenso neste nobre burgo.
Teimamos todos em fazer de conta. Talvez seja a maior herança cultural de muito mais de meio século de pequena História que antecedeu a democracia como regime. De tão pequena não conseguimos dar conta das peias a que ela nos amarrou. E então, o País Cabo Verde faz de conta da falta de recursos e o País Portugal faz de conta que é o velho pai zeloso e preocupado. A combinação certa para um desenvolvimento “faz de conta” apenas para alguns, se é que se possa chamar prosperidade ao enriquecimento de poucos, no caso de Cabo Verde não tanto à custa da pobreza (porque essa não tem dinheiro para extorquir) mas por distorção dos projectos que poderiam efectivamente desenvolver o País e dar uma vida melhor a que tem direito, muitos e muitos milhares de cabo-verdianos, isto é, pessoas.
Projectos, muitos projectos, tantos quantos as intenções, tantos quantos os sonhos e ambições. Ambição é uma palavra que José Sócrates utilizou “mil” vezes. Como a palavra cluster, tecnologia, vanguarda, orgulho, futuro e tantas outras. José Maria Neves aprendeu a lição e também já as diz com frequência mas sem aquele peso de quem tem de prestar contas a Bruxelas, por enquanto.
Que venham muitos milhões para as energias renováveis. Sim, que venham como crédito ou doação. Mas para fazer o quê? Repartir a produção de energia entre a Electra e uma outra empresa que vende ventoinhas e fotovolcaicos ou transformar cada cabo-verdiano ou família num potencial produtor de energia? São coisas economicamente bem diferentes.
Que venham muitos milhões para as novas tecnologias (computadores). Sim, para quê? Para que cada criança tenha uma máquina para jogar e “pintar” ou para aproximar os professores dos alunos e estes das leituras em papel e da escrita, da arte e do conhecimento. É que um computador por si não serve para isso, nem para nada. Pensei que o importante seria distribuir o programa e as ideias, mas pelos vistos a máquina é mais expressiva.
E depois o frenesi da banca e dos novos “produtos” financeiros, agora mais credíveis, dos serviços e das plataformas. Não nego a importância, nem a falta. Confirmo a grande distracção pela vida da imensa maioria do País. Em tudo o que este País podia ser e não é. E não é, é bom dizer, nenhum “paradigma” nem exemplo de bom comportamento. É o País que sempre foi desde a primeira hora sustentado pelas rabidantes, pelos emigrantes e pelo orgulho dos seus mais nobres filhos, porque não fora esse velho sentimento e, num futuro não muito longínquo, qualquer cabo-verdiano teria de adquirir uma licença limitada para passear nas brancas areias das praias do País que o viu nascer. Não estou a exagerar, contratos são contractos.
Dito isto, pergunto: como se faz um outro mundo “novo” se todos os dias cruze-me com centenas de mulheres com latas de água à cabeça antes do Sol nascer? Como se faz um outro mundo “novo”com uma sociedade rural potencialmente muito produtiva mas abandonada porque, por enquanto, a importação alimentar é uma solução fácil e que, por qualquer forma, entram as divisas suficientes para serem pagas as facturas. E também nas pescas e em tantos dossiers incluindo o turismo que está longe, para ser viável e rentável, da necessidade de adoptar o falido modelo de “rebanhos aos pacotes”.
A viagem de Sócrates a Cabo Verde é histórica. Não pelas razões apontadas nos discursos, mas por estarem fora do contexto económico do País Cabo Verde e talvez do País Portugal. O contexto que os dirigentes cabo-verdianos também não querem ver ou fazem de conta não quererem por enquanto, porque a “conjuntura não permite” como me dizia há tempos um deputado.
Mobilizar o País para além da banca, das novas tecnologias e da prestação de serviços não é um desafio. É o desafio. O desafio que foi escondido a Sócrates e o será aos que se lhe seguirem como primeiro-ministro, mas é o desafio que poderia fazer deste País um País muito melhor, menos dependente, mais preocupado e sustentado, hoje e no futuro.

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