quarta-feira, 25 de abril de 2007

Cravos, Muitos Cravos.


Nesta ideia, que não deixa de ter uma certa beleza e brio, de estarmos a fazer uma revolução original, entranha-se a velha senha mítica dos mares nunca dantes navegados.

Natália Correia


Hoje quando escrevo alguma coisa sobre o 25 de Abril, as palavras não surgem com facilidade e algumas até estão ocas de tanto ornamentarem frases batidas. Tudo parece muito distante. Desde os movimentos católicos, o CIDAC, a Degrau, a Sextante, os stencils, o Comércio do Funchal, o Tempo e o Modo, os papéis que se destruíam depois de lidos, o dia 25 de Abril, a balbúrdia do PREC, tudo parece repousar na mesma gaveta. A revolução acabou cedo se é que existia alguma revolução para fazer. Tudo se foi diluindo lentamente em memórias difusas ou em registos dispersos. Milhares de convictos “revolucionários” (até na maneira de vestir) voltaram ao bom caminho, aconchego e bem-estar das “liberdades fundamentais” da “sociedade burguesa”, outros morreram sem esse consolo e outros andam a comprimidos.

Para que o povo não esquecesse, o 25 de Abril ficou como “O Dia da Liberdade”. Mas para o povo (as massas, hoje povão) tratava-se, e trata-se, de comemorar o dia da liberdade de falar. Apenas isso.

Não é o dia da democracia, nem o dia da justiça, nem o dia da tolerância, talvez por ser difícil a compreensão desses conceitos ou talvez por não haver uma palavra que possa conter todos esses significados. A rapaziada mais nova não tem pachorra para este tipo de comemorações oficiais. Nem eu. Mas para mim, que ainda estou vivo, um copo com os amigos, sabe sempre bem neste dia para comemorar a queda de um regime que não interessava nem a ricos nem a pobres, apenas a labregos.

Esta data, o 25 de Abril, o dia que assinala a liberdade de se falar em Portugal assinala sobretudo uma grande efeméride: a liberdade de toda a gente, mesmo todos, poder dizer barbaridades à vontade e pelo meio coisas interessantes, asneiras e tolices sem ser preso por isso. Gente vulgar, importante, artistas, jornalistas, pintores, políticos, músicos, padres, bispos, economistas, operários, empresários, cientistas, poetas, revolucionários, artistas, burlões e anarquistas. As pessoas. Todos disseram barbaridades e coisas interessantes.

Ficaram ainda algumas outras “conquistas de Abril”, para além de se poder dizer o que se pensa, que hoje só atrapalham o progresso e até aos próprios conquistadores. Ficou a História e a Esperança que os tempos de obscurantismo, ignorância, miséria e intolerância não voltem.

Mas não é certo nem seguro que esses tempos não possam regressar. Não foi nem será suficiente gritar ditadura nunca mais. De certa forma a Humanidade ainda vive na sua longa pré-História. É preciso que a Justiça e a Educação sejam as fundações em que assenta a Democracia moderna e que o Estado não tape o Sol com a barriga.