Atrás Dos Tempos.
"Manuel Martins não tinha mãos a medir. Pouco antes de anoitecer punha tudo em ordem: álcool verde, fósforos grandes, um espevitador e um tacho de ferro com quatro colheres de sopa de banha de porco bem branquinha. Quem vai para o mar prepara-se em terra. Depois, vestia o traje de luces e ficava tal e qual um bandarilheiro. Magricela como era, restava-lhe mangas no casaco muito alvo e o papillon negro-asa-de-corvo talvez não tivesse sido feito à medida.
Fosse como fosse, esperava-o uma arena para todas as lides e Manuel Martins era o único diestro naqueles festivais.
Em noites de Verão, as estolas vinham abaixo. Muito reluzentes nos seus vestidos de tafetá debruados a rendas de seda e algumas lantejoulas, as senhoras da cidade refastelavam-se nas cadeiras de vimes, como digníssimos espaldares de formas suaves, que contornavam as mesinhas brancas e circulares de ferro, Enfarpelados à época, os respectivos consortes ocupavam também os seus postos, ainda que nem sempre ligassem ao protocolo. O Páteo da Alfândega era o salão nobre de Angra.
Muito brilhantes nas quedas besuntadas com Brilhantina Africana (à venda na Drogaria Carneiro), pares mais desenvoltos perpetuavam a tradição das banquetas quase sempre escurecidas por lâmpadas que não se acendiam e a miudagem enxotada desses sítios de peregrinação, dividia-se entre o jogo da cabra-cega e a miraculosa arte de apanhar baratas e enjaulá-las em caixas de sapatos para criança.
Manuel Martins andava num pé só. Do Café Atlântico para a esplanada fervilhavam os cafezinhos, os conhaques em cálices do tamanho de um dedal eram aviados em número às vezes considerado assustador e a S. Jorge branca e preta, entalada em barras de gelo, nem sempre chegava a arrefecer. Era a altura de dar a bomba no fogão Primus, pisar com uma garrafa um punhado de sal e polvilhar os pires de batatas fritas muito quentinhas e muito encharcadas em gordura – a novidade aburguesada e marcante de um Páteo que acabou por transformar-se numa alfândega por despachar."
Fosse como fosse, esperava-o uma arena para todas as lides e Manuel Martins era o único diestro naqueles festivais.
Em noites de Verão, as estolas vinham abaixo. Muito reluzentes nos seus vestidos de tafetá debruados a rendas de seda e algumas lantejoulas, as senhoras da cidade refastelavam-se nas cadeiras de vimes, como digníssimos espaldares de formas suaves, que contornavam as mesinhas brancas e circulares de ferro, Enfarpelados à época, os respectivos consortes ocupavam também os seus postos, ainda que nem sempre ligassem ao protocolo. O Páteo da Alfândega era o salão nobre de Angra.
Muito brilhantes nas quedas besuntadas com Brilhantina Africana (à venda na Drogaria Carneiro), pares mais desenvoltos perpetuavam a tradição das banquetas quase sempre escurecidas por lâmpadas que não se acendiam e a miudagem enxotada desses sítios de peregrinação, dividia-se entre o jogo da cabra-cega e a miraculosa arte de apanhar baratas e enjaulá-las em caixas de sapatos para criança.
Manuel Martins andava num pé só. Do Café Atlântico para a esplanada fervilhavam os cafezinhos, os conhaques em cálices do tamanho de um dedal eram aviados em número às vezes considerado assustador e a S. Jorge branca e preta, entalada em barras de gelo, nem sempre chegava a arrefecer. Era a altura de dar a bomba no fogão Primus, pisar com uma garrafa um punhado de sal e polvilhar os pires de batatas fritas muito quentinhas e muito encharcadas em gordura – a novidade aburguesada e marcante de um Páteo que acabou por transformar-se numa alfândega por despachar."
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